segunda-feira, 27 de junho de 2011

Novos ares nos canteiros de obras


Matéria publicada na edição de domingo na Tribuna Independente:

Em 1979, quando o compositor Zé Geraldo cantou pela primeira vez a canção Cidadão, ele retratava a realidade de um operário angustiado, desvalorizado e cheio de pesar. Mesmo ajudando na construção de sonhos alheios, a música apresentava o desdém e o preconceito social com o trabalhador da construção civil. Eram tempos difíceis, dias de trabalhadores carregados em pau de arara e de refeições feitas no chão ‘queimando panela’.

As mesmas pessoas que eram o pilar do crescimento nacional da segunda metade do século XX morriam como moscas em acidentes de trabalho. Aqueles que sobreviviam, faleciam por dentro sempre antes do fim do mês quando o irrisório salário acabava. Atualmente a situação é outra, reconhecem os operários, a remuneração é melhor, a segurança aumentou e hoje são valorizados e caçados dentro do mercado ainda em expansão.

Para conhecer e compreender essa virada de mesa a reportagem da Tribuna Independente foi às ruas, ou melhor, foi ao canteiro de obras para ver e conhecer testemunhos da pujança do segmento e a sintonia que foi erguida ao longo dos anos com empregador e empregado para o bem comum.

De acordo com o Sindicato da Construção Civil de São Paulo cerca de 86,2 mil trabalhadores foram empregados no primeiro trimestre de 2011, em todo o país, aplicando sua força de trabalho na construção do sonho brasileiro da casa própria. No Nordeste, o crescimento da absorção de mão de obra na construção civil subiu 0,09%, nos primeiros três meses deste ano. Em Alagoas, a Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Renda aposta que 1.000 homens são aproveitados por ano no setor. “Hoje são 40 mil trabalhadores atuando na construção civil alagoana”, atesta o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção do Estado de Alagoas, Manoel Januário Filho.

A realidade deste exército braçal crescente no país mudou em virtude das obras dos governos federal e estadual, além da movimentação para a Copa do Mundo e Olimpíadas. A demanda de trabalho aumentou e ainda a facilidade de crédito e taxas de juros menores fizeram com que fosse aberta a temporada de caça a trabalhadores da construção civil. ‘Mandando no pedaço’, eles conseguiram exigir junto ao empresariado dias melhores na labuta. “Somos nós (trabalhadores) que contribuímos com a riqueza dos empresários”, comenta o presidente do sindicato proletário.

Lembrando dos tempos onde se ‘roia o osso’, o engenheiro civil, Flávio Alves Lima, que atua há 25 anos no mercado, diz que antigamente os trabalhadores eram transportados em ‘paus de arara’ e os operários desempenhavam suas funções sem os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), hoje obrigatórios pela Norma Regulamentadora nº 18 (NR 18), que rege a proteção da integridade física do operário em seu local de trabalho. “Eles trabalhavam com sandálias e camisetas comuns”, lembra.

Hoje, o responsável pelo canteiro de obras da Reurbanização da Orla Marítima de Cruz das Almas, em Maceió, Phablo Ferreira, explica que a empresa fornece, orienta e exige que os seus 40 funcionários fichados usem os equipamentos de segurança. “Cada servente, pedreiro, armador, encanador, todos eles usam capacetes, botas de couro ou de plástico, fardamento, óculos de proteção, luvas, e a empresa (Telesil Engenharia Ltda) cede protetor solar também. Eles são conscientes disso e utilizam sem problema”, confirma Ferreira.

A Telesil Engenharia Ltda., por exemplo, emprega cerca de 1.000 funcionários na capital – tirando as obras do interior, que oscilam de tamanho, como explica Phablo, esse mesmo quantitativo de pessoal há 25 anos, lembra o engenheiro Flávio Lima, comia apenas fubá com charque no café da manhã, e no almoço feijão com bucho, o cardápio da noite repetia uma das duas refeições. “Agora, cada obra dispõe obrigatoriamente de um refeitório para a refeição balanceada oferecida pela empresa”, diz o engenheiro.

Novos sonhos

Januário Filho salienta que cada avanço alcançado é um estímulo para buscar novos, até 1996, nem contracheques recebíamos, agora já dispomos dele. “Nossa meta é ganhar a participação nos lucros das empresas, além de uma assistência maior à família do trabalhador”, explica. Na concretização deste caminho, o Sindicato da Indústria da Construção Civil de Alagoas (Sinduscon) e a Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Alagoas (Ademi-AL) estão conseguindo bons resultados.

Membro da atual Diretoria do Sinduscon e vice-presidente da Ademi, Ronald Vasco, atuando há 29 anos, apresenta uma série de ações que promovem a responsabilidade social nas 50 empresas associadas, inclusive na dele a V2 Construtora. “Fornecemos gratuitamente palestras sobre alcoolismo, drogas, dengue, acidentes de trabalho, distribuímos material escolar para os filhos dos trabalhadores, levamos vacinação, tratamento dentário e oftalmológico, entretenimento e cultura, além dos cursos de qualificação profissional voltado para a construção civil”, lembrou.

Calyne Almeida, psicóloga e coordenadora de Responsabilidade Social da Ademi, reforça o discurso da mudança de paradigma de que o operário da construção civil hoje motivado, ele sente-se valorizado e aposta em seu crescimento pessoal. “Conheço casos de pessoas que não querem ser pedreiros mais e procuram se qualificar para serem engenheiros e futuros mestres de obras. A tendência é permanecer no setor e crescer”, ressaltou.

Vasco destacou ainda que cerca de 50% das construtoras do mercado alagoano atualmente praticam a responsabilidade social dentro de seus canteiros de obras. “E as que não o fazem, querem fazer”, falou. Reflexo deste movimento é a baixa incidência de representações e ações contra empresas do ramo no Ministério Público do Trabalho. A procuradora regional do Trabalho, Rosemeire Lopes Lobo, explicou que por meio de uma fiscalização mais rígida e uma evolução de consciência social dos empresários e dos próprios trabalhadores o número de ações é muito baixo. “O que temos hoje são ações para adequação do meio ambiente de trabalho, falhas que as empresas têm um período para corrigirem e assim o fazem sem maiores problemas”, disse.

A procuradora salientou que há uma conscientização maior de todas as partes, pois já existe a NR 18, que regulamenta a segurança no trabalho e o Ministério Público do Trabalho fiscaliza e monitora. “Em 2010, fizemos uma ação dirigida nesse sentido e ficamos contentes com o que vimos”, afirmou. Como não acontecem problemas de maiores magnitudes, as arestas que existem entre trabalhador e empregador, são a respeito de verbas trabalhistas não debitadas pelas empresas ou no dia certo ou no valor acertado. “Isso é mínimo e acontece pouco”, explicou. O sindicato da categoria registra cerca de 15 ações em menos de seis meses reivindicando correções deste tipo.

O Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Civil realiza de 15 em 15 dias vistorias nos canteiros de obras do interior do estado e diariamente monitora os da capital para mapear a situação do trabalhador.

O trabalhador não é mais aquele

Dentro do perfil do empregado na construção civil, ele geralmente mora na periferia da capital, e não concluiu o ensino médio. Januário Filho confirma que 90% dos trabalhadores que atuam no segmento não concluíram o ensino fundamental. “São predominantemente homens, porém as mulheres já estão se tornando comuns nas obras”, disse o presidente do sindicado da categoria.

“Apenas em uma obra da Odebrecht aqui em Alagoas, 30 mulheres estão atuando”, confessou. Em União dos Palmares, quase 30 mulheres trabalham diuturnamente para agilizar a entrega das casas aos desabrigados das enchentes de 2010. “A mulher é mais cuidadosa em serviços de rejunte de azulejos, por exemplo”, reafirmou Januário. A mudança de gênero no canteiro de obras aumentou 65%, em 2010, diz o Ministério do Trabalho.


A remuneração dos trabalhadores também é outra. Flávio Lima recorda de tempos onde, pedreiros ganham R$ 5 em uma ‘empreitada’ e fica feliz. Agora um mestre de obra ganha em média R$ 1.283,96, com o reajuste aprovado para a categoria trabalhadora do setor (9%), esse mesmo mestre pode chegar a R$ 1.425,57, em três meses. Do mesmo jeito um servente de pedreiro que está tabelado pela categoria ganhando R$ 570,00; o pedreiro, R$ 853,89, segundo números do sindicato. Phablo Ferreira diz que tem pedreiro de ‘mão cheia’ com carro e três casas de aluguel que recebe em bons meses R$ 10.000,00. “Quem é bom e até quem não é, tem emprego garantido”.

Feliz com a nova profissão, o ex-técnico em refrigeração, Antonio Maciel, 30, diz que não se arrepende em ter trocado seu ofício antigo pela função de servente. “Atuo há cinco meses nesta empresa que estou agora. Recebo no dia certo, tenho proteção no trabalho e estou realizado”, frisou. Do mesmo jeito está radiante o pintor Sebastião de Souza Santos Filho, 34, ex-servente já cresceu na função e quer mais. “Estou há três anos atuando como pintor, trabalho não me falta, caso eu saia da empresa que estou”, completou.


Muitas categorias não dispõem deste tipo de acolhimento, citou o engenheiro Flávio Lima. Ele comparou com o tratamento dado a um simples vendedor de loja, onde lhe é negado um espaço específico para almoço, além de uma alimentação balanceada, e garantias trabalhistas.

“Muitos vendedores trabalham feriados e fins de semana em regime de banco de horas, por um salário mínimo, alimentam-se em cantos da loja e muito mais. Em algumas empresas que atuam com participação nos lucros, mensalmente você tem aumento e caso conclua seu serviço, recebe em casa e descansando, com plano médico e dentário e todos os direitos trabalhistas assegurados”, finalizou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário