domingo, 19 de junho de 2011

Morte e vida, Salgadinho


Matéria publicada na edição deste domingo da Tribuna Independente.

Quem viu o riacho Salgadinho em seus tenros tempos da primeira metade do século XX, chora pela condição de imundice alcançada por ele hoje

“A gente pegava sardinha, traira, camarão piatã, camurupim, gaiamum, a água era limpa e cristalina”. Lendo essa descrição poderíamos pensar num rio forte, pujante, cheia de vida, pois bem. A narrativa é de seu Carlos Santos, 71 anos, morador desde sempre do riacho Salgadinho. É com pesar que o atual marceneiro, que na infância conseguiu tirar seu sustento do riacho e mesmo na tenra idade, conheceu a bonança do Salgadinho vivendo de perto os melhores dias daquele foi o riacho da integração de Maceió.

A reportagem da Tribuna Independente ouviu especialistas, ex e atuais moradores sobre as condições do riacho Salgadinho, ou Reginaldo, como queiram, e os sentimentos eram os mesmos: bucolismo, nostalgia e lamento. Antigos e atuais moradores olham para o que sobrou do riacho e só recordam dos áureos tempos onde pescavam-se peixes, camarão e brincava-se de bola às margens dele. Mas veio o progresso desordenado e varreu o azul clarinho do riacho que marcou a vida de muitos que por ali tiveram os melhores anos de sua vida.

Cada personagem deu vazão a emoção e trouxeram à tona um saudosismo de tempos que não retrocedem. Dias em que o Vale do Reginaldo era uma mata virgem, de onde surgia um rio caudaloso, de águas límpidas, cristalinas e refrescantes, pedida ideal das tardes quentes do verão maceioense.

Ainda jovem, por volta de seus 12, 13 anos, o engenheiro Vinícius Maia Nobre já perambulava pela região. “Meu pai tinha um sítio que começava nas proximidades da atual avenida Fernandes Lima e seguia até a mata do Vale do Reginaldo. De lá eu seguia até a foz do rio perto do bairro do Poço”, saudosamente recorda.

Do mesmo modo é o testemunho de seu Carlos Santos, nascido na rua dos Coqueiros, nas proximidades do Salgadinho. Ele ainda reside nas imediações do riacho, ao lado da atual sede do Ministério Público Estadual (MPE). A simpatia de seu Carlos expõe lembranças de uma juventude vivida nos sítios do entorno do riacho, sempre ajudando a mãe, que era lavadeira. “Eu sempre ia pegar água potável da Cacimba do Braga (seria hoje em frente ao prédio do MPE). Era nessa mesma água que a gente pegava peixe, camarão, caranguejo”, puxou pela memória.

O jornalista Ricardo Mota recorda em post de seu blog, publicado em novembro de 2010, que o riacho era o alívio para os jovens peladeiros que ali jogavam aquele ‘rachinha’ de fim de tarde. A crônica em tom de uma gostosa melancolia traduz o sentimento de muitos que por ali viveram. Confira um trecho: “O melhor ‘gramado’, entretanto, ficava exatamente na foz do riacho, quando a maré secava. A bola corria rente ao chão e possibilitava, aos de melhor domínio, seu show particular. Depois? Um mergulho ali mesmo, ou no marzão logo em frente, para comemorar a vitória ou lavar a alma da sofrida derrota”.

Outro saudoso que engrossa o coro dos que viveram aqueles tempos de harmonia foi o médico e escritor Luiz Nogueira. “Fui morador da região quando menino, e seguia o curso do rio a pé até chegar ao antigo Cine Plaza para assistir as sessões de desenho animado. Eram dias felizes”, declarou.

Olhando pela perspectiva histórica da cidade, o riacho Salgadinho sofreu o mesmo processo de degradação que as grandes cidades do mundo cometeram com os rios que as cortam. A partir de 1850, o desenvolvimento econômico de Maceió forçou a cidade a criar novas edificações, e claro, sem saneamento básico.

De acordo com o mestre em História pela Ufal, professor Marcelo Góes, os registros da capital alagoana, dos idos de 1860, mostram uma Maceió em evolução ascendente do ponto de vista do desenvolvimento social, comparado a grandes cidades como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte na época.

A região do bairro do Poço, e por tabela os arredores do riacho Salgadinho, tornou-se uma localidade de habitações populares. “Não existia saneamento básico em Maceió. Todas as tubulações sanitárias conduziam os dejetos sempre para o mar, rios e a lagoa. O maior condutor sanitário daqueles tempos era o riacho Salgadinho”, lembra o professor.

O engenheiro Vinícius Maia Nobre explica também que além dos esgotos canalizados ou não, que caiam e caem até hoje no riacho, a bacia do rio foi constantemente impermeabilizada pelas construções e pavimentações de ruas, contribuíram para a morte do Salgadinho.

“Quando o (rio) Reginaldo começa a sofrer a influência das marés nas imediações da antiga Rodoviária, suas águas tornam-se salobras e muda de nome para Salgadinho”, explica a origem do nome o engenheiro. Os rios do hemisfério Sul têm a tendência de descer na direção Sul, o riacho não fugiu a regra. “O Salgadinho passava por trás da atual Escola Técnica (atual Ifal), passava pela ponte férrea, margeando a Praça Sinimbu, sob a ponte dos Fonsecas (que existe a estrutura até hoje), corre por trás do Clube Fênix e do Museu Théo Brandão”, recorda Maia Nobre.

O destino final original do riacho era onde está instalada a Loja Americanas, em direção à praia do Sobral. Na década de 1940, o governador Silvestre Péricles sofre pressão por parte dos vizinhos do Salgadinho devido a grande quantidade de dejetos que ia e viam de acordo com a maré. Começava o processo de desvio do curso original, e canalização do rio para o que é atualmente.

Porém, Maia Nobre conta que a natureza deu seu recado no inverno de 1949, mais precisamente no dia 19 de maio, quando uma verdadeira tromba d’água varreu o antigo leito do rio e o novo também. “Até o farol, que ficava no topo da ladeira da Catedral ficou desaprumado”, lembra. Os relatos contam que a recém criada ponte da Avenida, foi arrancada pela força da água.

O engenheiro explica que é possível acabar com a poluição no Salgadinho. Seriam necessários cerca de R$ 250 milhões em investimentos para criar coletores laterais, em ambas as margens para recolher o esgoto alheio e remetê-lo para o Emissário Submarino. “Nosso emissário – projeto dele – completa 20 anos com 75% de ociosidade. Não construíram redes coletoras para encaminhar o esgoto da cidade até agora”, lamenta Maia Nobre.

Indagada se existia algum projeto efetivo de despoluição do riacho Salgadinho, a Secretaria de Estado da Infraestrutura e o Instituto do Meio Ambiente disseram que a competência para solucionar o problema é da Prefeitura Municipal de Maceió. À respeito, o secretário municipal de Proteção ao Meio Ambiente, Ivan Bergson, destacou que a Prefeitura está engajada em despoluir o Salgadinho. “O maior problema do riacho Salgadinho é a falta de educação ambiental na região. E estamos trabalhando nesse sentido”, destacou o secretário. De forma prática, o secretário informou que a prefeitura está trabalhando no sentido de automatizar as bombas elevatórias que estão posicionadas já próximo da foz. “Após o processo de educação ambiental, iremos fazer o tamponamento das fossas e bueiros clandestinos que caem no riacho.

O Ministério Público Estadual informou que existe uma ação civil pública já ajuizada pelo Ministério Público Federal para a despoluição do Salgadinho. “Como se trata de um rio que deságua no mar, a solução é de competência federal”, esclareceu o promotor Alberto Fonseca.

Cansado de ver através dos anos a morte lenta do riacho, seu Carlos ao ser informado sobre as possíveis soluções para despoluir o Salgadinho respira fundo e solta uma descrença presente em sua expressão: “Hoje nem sapo vive aqui. Dá uma tristeza só, faz pena ver esse rio assim. E não acredito que tenha jeito”.

Com o mesmo pesar, o engenheiro Vinícius Maia Nobre, Ricardo Mota e demais antigos moradores que encerro a matéria destacando o enfadonho fim deste que já foi o rio da integração da capital, fazendo a alegria de jovens e garotos, servindo de sobrevivência para muitos e orgulho para outros tantos. Existe solução para o problema, requer investimentos e tempo, tempo que apenas a natureza pode dar, mas a mão do homem pode contribuir, no sentido de dar as ferramentas necessárias de despoluição. Estaremos vivos para ver as límpidas águas do riacho Salgadinho? Creio que não...

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