terça-feira, 13 de setembro de 2011

Elogios?

Reconheço que em certos aspectos sou um bicho do mato, desconfiado por si só. E quando o assunto é elogio, desconfio mais ainda. Quem é jornalista sabe, quando estamos mesmo afim de fazer uma matéria e temos tudo pra fazê-la, a informação, o personagem, os caminhos e os meandros da história, pois então, foi a matéria que foi publicada hoje na Tribuna Independente.

A matéria falava sobre os 54 anos do tiroteio que colocou a Assembleia Legislativa do Estado na história sangrenta dos crimes de Alagoas. Não fui acostumado a elogios e muitos menos de onde vieram eles. Pois bem, deixa quieto. Que venham aqueles que foram de coração de fato.

Publico aqui na integra a matéria:

A casa da bala

Tarde ensolarada de uma sexta-feira, 13 de setembro. O ano era 1957. Um dia que Alagoas jamais esqueceu. Trinta e cinco deputados se reuniriam para apreciar o impeachment do então governador Sebastião Muniz Falcão – o único na história dos estados da Federação brasileira. Quem não viveu aquele tempo e não sabe o que aconteceu dentro da Assembleia Legislativa do Estado naquele sangrento dia, pode não acreditar, mas pode imaginar. Cerca de 1.200 tiros foram disparados, em pouco mais de dez minutos, entre os deputados alagoanos dentro da Casa de Tavares Bastos.

Só para lembrar ou refrescar a memória. Alguém já deve ter visto aquelas fotos amareladas, antigas, até reproduzidas na internet, dos deputados alagoanos entrando na ALE vestidos de sobretudo num calor de aproximadamente 35° a 37°. Embaixo das pesadas roupas metralhadoras e pistolas de grosso calibre.

O livro Curral da Morte (Editora Record), de autoria do jornalista alagoano Jorge Oliveira, apresenta ‘tim-tim-por-tim-tim’ da história que culminou na única troca de tiros ocorrida dentro de um plenário legislativo estadual. Um tiroteio que vitimou fatalmente o deputado Humberto Mendes e feriu uma dezena de pessoas, entre parlamentares, funcionários e um jornalista, Marcio Moreira Alves – ganhador do Prêmio Esso por cobrir esse fato em Alagoas.

Mas a história nunca se apresenta tão simples assim. De acordo com o livro, todo o joguete político iniciou quando o governador Muniz Falcão começou a taxar os empresários do ramo sucroalcooleiro para financiar ações no setor educacional. O imposto criado, em 1956, pelo então governador taxava em 2% a produção de açúcar, álcool, tecidos, fumo e arroz.

Insatisfeita, a bancada de oposição ao governador populista era composta por 22 parlamentares, enquanto que 13 deputados eram situacionistas. Foram 200 dias de debates entre situação, oposição e até a igreja entrou no meio para apaziguar os ânimos. Resultado do período que antecipou o impeachment: morre o deputado estadual Marques da Silva à mando do deputado Claudeonor Lima (aliado de Muniz) e o vereador arapiraquense Benício Alves de Oliveira também tomba.

A bancada do “açúcar”, como era assim conhecida a bancada de oposição à Muniz Falcão, encampou o deputado Oseas Cardoso a dar entrada junto a Mesa Diretora o pedido de impeachment do governador, e indicando o deputado estadual Teotônio Vilela, como relator do processo. O processo de impeachment fora apresentado no dia 9 de fevereiro de 1957. Ou seja, estava ensaiado um quase “golpe de Estado parlamentar”. O impeachment tinha tudo para ser aprovado, e assim o foi.

O clima se acirrou
Diante do clima belicoso que tomou conta da capital de Alagoas em virtude do dia da votação do impeachment do governador Muniz Falcão, Exército e Polícia Militar ficaram de prontidão em pontos estratégicos próximos ao prédio da Assembleia Legislativa, na Praça Dom Pedro II. A ladeira da Catedral ficou tomada por homens de verde-oliva.

Já na manhã do dia 13 de setembro, Maceió estava sem luz, gás e telefone. Tanto é que após o tiroteio, uma pane elétrica deixou a capital alagoana sem energia elétrica por 17 horas.

Setenta e dois sacos de areia foram instalados para servir de barricada. Deputados oposicionistas brandavam pela expulsão do governador dentro da Casa Legislativa, enquanto que na frente da Assembleia, um comício popular protestava contra a iniciativa da oposição. “Só votam esse impeachment se passaram por cima do meu cadáver”, prenunciou o deputado Humberto Mendes.

O derramamento de sangue era anunciado. O deputado federal Tenório Cavalcanti trouxe metralhadoras do Rio de Janeiro, o ministro da Guerra, marechal Teixeira Lott foi avisado, o presidente da República, Juscelino Kubitschek também estava por dentro da situação.

Às 15h começa a chegada dos parlamentares armados até os dentes. Claudeonor Lima chega vestido com uma capa de chuva. Humberto Mendes também. Ambos camuflavam metralhadoras e pistolas –prontos para a guerra. Valter Mendes, filho de Humberto também foi e igualmente armado. Até gente de fora comprou a briga. O senador baiano Juracy Magalhães veio preparado também.

E assim começou a troca de tiros. O deputado Humberto Mendes andou pelo plenário, já lotado, com as mãos sobre o terno, despontiando o primeiro botão, ao avistar a barricada de areia que isolava a mesa diretora e os deputados Luiz Malta Gaia e Claudeonor Lima. “Não vai haver sessão alguma”, esbravejou Humberto Mendes. Malta Gaia então avistou a metralhadora que Mendes estava tirando de sua capa, e atirou para cima. No mais, o jornalista Marcio Moreira Alves disse que Mendes atirou primeiro. De todo modo, Humberto Mendes levou dois tiros. Que segundo alguns, saiu da arma do deputado Virgilio Barbosa.

Foi apenas começar o tiroteio dentro ,que fora a bala começou a ‘vadiar’ fora também. Em prédios vizinhos, atiradores disparavam em direção à ALE. Em cima do prédio da Delegacia Fiscal e da torre da Catedral. Em aproximadamente 12 minutos, foram 1.200 tiros. O saldo: Humberto Mendes, morto; os deputados oposicionistas José Onias, Virgilio Barbosa, Carlos Gomes de Barros, Antonio Malta e José Afonso de Mello, o sargento Jorge José de Araújo, o funcionário José Dâmaso e o jornalista Marcio Moreira Alves, todos feridos; Hospital de Pronto-Socorro lotado, e o Quartel do Exército acolheu os deputados oposicionistas feridos.

Três dias depois, o impeachment é votado, no Instituto de Educação, protegido pelo Exército. E sem a presença dos deputados governistas e dos oposicionistas feridos, o governador Muniz Falcão é afastado. Sizenando Nabuco (PTB) assume. Mas, um ano depois, o Tribunal Misto, composto pode desembargadores e deputados estaduais sorteados, Sebastião Muniz Falcão voltou a governar Alagoas em 24 de janeiro de 1958.

Opositores de Muniz o acusaram de ser comunista

Os inimigos do governador Sebastião Marinho Muniz Falcão o acusaram de ter ligações com Moscou. Imaginem isso durante a Guerra Fria, onde os países capitalistas faziam dos ideais pregados pela União Soviética um bicho de sete cabeças. Comunista no início da segunda metade do século XX era quase um ‘bicho papão’.

Consultado por Jorge Oliveira para o historiador Douglas Apratto disse que Muniz Falcão não era ligado às idéias de Moscou. O que reforçou essas ligações é que o secretário de Segurança Pública do governo Muniz Falcão era indicação do Partido Comunista Brasileiro (PCB). “Os inimigos do governador Muniz Falcão o rotularam como um anticristo. Alegando que, por suas idéias socialistas, não poderia governar Alagoas. Mas Muniz não era comunista. Apesar de ter o apoio do Partidão”, completou o historiador.

Como nenhum dos sobreviventes do episódio, o autor demonstra nas páginas que o assunto não pode cair no esquecimento. “É o que eu tento evitar ao publicar o livro [Curral da Morte]”, explicou Jorge Oliveira.

O Homem da capa preta
O Livro Curral da Morte traz ainda um depoimento do folclórico e temido deputado federal alagoano Tenório Cavalcante, o Homem da Capa Preta – vivido no cinema pelo ator José Wilker. “Alagoas sempre foi terra de antropofagia. Ou não se lembram mais que foi lá que os índios comeram o Bispo Sardinha? Em Alagoas, toda família tem um assassino ou um assassinado. Naquela terra, quem não morreu, já matou”.

Por que tão odiado?
O governador Sebastião Marinho Muniz Falcão era um homem carismático, de riso fácil, elegante, sendo logo aceito pela aristocracia alagoana. Nascido em Araripina (PE). Os empresários do açúcar em Alagoas começaram a olhar estranho para Muniz Falcão quando, ainda jovem, foi chamado para dirigir a Delegacia Regional do Trabalho no estado. Deu no que deu, Muniz era intransigente com as ilegalidades trabalhistas identificadas no ramo sucroalcooleiro na época. Sem o apoio das oligarquias, elegeu-se deputado federal, em 1951.

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