quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Odeio-te, perdôo-te


No dia 15 de agosto de 1909, jornais de todo o país estampavam em primeira página a trágica morte do aclamado jornalista e escritor Euclides da Cunha. Ele ficou conhecido na literatura tupininquim por causa de sua incursão no Sertão brasileiro, conhecendo de perto a realidade do sofrido povo nordestino. Deste estudo, o repórter do Jornal Estado de S. Paulo escreveu seu obra prima: Os Sertões.

Com essa obra, Euclides inaugurou uma fase muito importante da literatura brasileira que voltou seus olhares para o interior do Brasil, agora visto como agrário, regional, e não mais intimista e urbano como antes dele. Nesse rastro, vieram Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, e outros monstros romancistas.

O Brasil atual que não curte muito a leitura conheceu a história do lamentável fim de Euclides da Cunha através da minissérie Desejos (1990). A triste história de fato rendeu uma boa tira de folhetim, pois reuniu amor, aventura, traição, morte e tragédia.

O escritor era casado com Ana Solon da Cunha, jovem senhora, que se encantou com o cadete do Exército, de 16 anos, Dilermando. Ana e o mancebo, então apelidado pelo escritor de Sargentão, tiveram um caso de amor que resultou num filho, Luiz. Euclides e Ana tiveram outros quatro. Entretanto, ao descobrir o caso extraconjugal da mulher, Euclides, segundo conta relatos, teve uma crise nervosa na véspera de sua morte. Pois, a mulher tinha o abandonado e levado consigo o pequeno Luiz.

Tomado pela revolta, Euclides, que morava no bairro carioca de Botafogo, pegou um trem para Piedade. E seguiu em busca de seu pé-de-pano, após pegar emprestado um revólver 22 com seu irmão. Chegando na casa de seu algoz, Euclides - aí já segue uma série de dúvidas que os autos não explicam com exatidão - derruba a porta da residência de Dilermando, e dispara contra ele.

Dinorah, irmão de Dilermando, e jogador do Botafogo, tenta impedir o escritor e é alvejado. Dilermando também. Porém, como o cadete era campeão de tiro, Euclides recebeu quatro disparos, que o levaram a morte. Agonizante, segundo testemuhas da época contam, o escritor caiu no jardim da casa. Ana vendo a cena pediu para que o amante recolhesse Euclides para a cama.

No leito de morte, Dilermando pede perdão, e como um épico conto de amor e ódio, o escritor em um último suspiro pede água, e uma taça de vinho, mas ainda diz: "Odeio-te. Perdôo-te". Como se não bastasse, o filho mais velho do jornalista, Euclides da Cunha Filho, tentou vingar o pai sete anos depois. Foi morto pelo amante da mãe. Não satisfeito, Dilermando abandona Ana em 1921, por outra mulher mais jovem, claro. Pense no sofrimento.

O cadete Dilermando foi julgado por duas vezes, e absolvido em ambas alegando legítima defesa, o caso foi julgado pelo Supremo, tendo o mesmo fim. Ele foi atacado em casa, sua residência foi invadida. Enfim. Será que foi algum antepassado do Gilmar Mendes? Putzzzz.
Dilermando dentro da sociedade carioca era considerado um mala, conforme contavam na época, o cadete exigia a quantia de 500 mil réis mensais, e o desgraçado ainda jurava vingança, caso ela o deixasse. Vê se pode?

Durante toda a vida Dilermando, mesmo com a absolvição da justiça, sentiu o peso de ter matado um herói nacional como Euclides da Cunha. Inclusive uma uma exposição no centenário da Independência, em 1922, Dilermando viu sua antiga pistola em exposição ao lado de objetos históricos nacionais. Ele ficou irado, e solicitou retratação e devolução da arma.

Até hoje os detalhes do crime nunca foram devidamente esclarecidos. Somente agora, quase 100 anos depois do crime, os autos do processo foram divulgados no livro Crônica de uma tragédia inesquecível (Editoras Albatroz, Loqüi e Terceiro Nome, 232 págs. R$ 36), que revela também bastidores do julgamento. Vale a pena.

É muito contraditório. Euclides passou a vida contando histórias e mais histórias, e acabou vivendo a maior e mais trágicas delas.

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